Se, pois, a virgindade é essencialmente um carisma, então esse carisma é “uma manifestação particular do Espírito”, porque assim é que se define o carisma no Novo Testamento (veja 1 Cor 12,7). Se é um carisma, então é mais um dom recebido de Deus do que um dom feito a Deus. Particularmente para virgens vale a palavra de Jesus: Não foram vocês que me escolheram, mas fui eu que os escolhi (Jo 15,16). Você não escolhe o celibato e a virgindade para entrar no Reino, mas porque o Reino entrou em você. Em outras palavras, você não guarda a virgindade para salvar mais facilmente a alma, mas porque o Reino, ou melhor, o Senhor tomou posse de você, escolheu você, e por isso você sente necessidade de permanecer livre para responder plenamente a essa escolha.
Se a virgindade ou celibato é um carisma, então se deverá viver carismaticamente, e isso significa simplesmente viver como quem está vivendo um dom. Antes de mais nada com humildade. O grande mártir Inácio de Antioquia, que viveu logo depois dos tempos apostólicos, escrevia: “Se alguém, para honra da carne do Senhor, consegue viver em castidade, continue humildemente nessa vida, porque estará perdido se se vangloriar; se se julga superior ao bispo, está arruinado” (A Policarpo 5,2). Alguns Padres, como São Jerônimo, Santo Agostinho e São Bernardo chegaram a dizer que “é melhor um incontinente humilde do que um virgem orgulhoso”. Há uma grande afinidade entre humildade e castidade, como entre soberba e a luxúria.
A virgindade é um carisma e também o matrimônio é um carisma. Uma e outro são “uma manifestação particular do Espírito”. Como podem opor-se ou ser incompatíveis se ambos vêm “do mesmo Espírito”? Na noção de carisma e na outra, muito próxima, de vocação, ambas as formas de vida podem finalmente viver plenamente reconciliadas, edificando-se até mutuamente. Uma confirma, não destrói a outra. Exatamente porque, na visão cristã, o matrimônio é considerado como bom e como dom espiritual, exatamente por isso a virgindade e o celibato são algo de grande e belo. De fato, que mérito haveria em não se casar, se o casamento fosse algo de mau ou simplesmente perigoso e desaconselhável? Não se casar seria simplesmente um dever e nada mais, como o fugir de qualquer ocasião de pecado. Mas, exatamente porque o matrimônio é bom e belo, renunciar a ele por motivos superiores é ainda mais belo. Quem vai ouvir um belo concerto faz coisa boa e sadia. Mas quem, por amor, deixa de ir a um concerto, que tanto o atrai – para não deixar, digamos, sozinha uma pessoa querida – faz coisa melhor ainda. Nesse sentido São Paulo diz que quem se casa faz bem, mas quem não se casa, faz melhor (veja 1Cor 7,38).
Pensando bem, é apenas a existência do matrimônio que torna a virgindade uma opção, e é apenas a existência da virgindade que torna o matrimônio uma opção. Sem um dos dois já não haveria “escolha”.
(VIRGINDADE – Raniero Cantalamessa)
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