O médico precisa tirar água da pedra
Nesse mês estou fugindo dos temas de saúde e atendendo à solicitação dos amigos que pediram o tema sobre o dom da medicina, a arte da medicina, “o dom de ser médico”.
Como uma profissão a ser exercida, devemos entender que a medicina está para o trabalho igual a todas as outras atividades profissionais existentes. Exerce-se um trabalho, cumpre-se sua obrigatoriedade legal e recebe o salário do seu labor.
O fascínio que a medicina exerce sobre as pessoas a faz ser atraente e pode colocar o profissional num falso patamar de superioridade. Esse fascínio explica-se pela possibilidade de interferir no rumo e na vida das pessoas, de conduzir para a saúde ou para a morte. Alguns médicos preferem sentar-se ao lado do time daqueles que, também com erros e falhas, mistura-se à multidão e identifica-se com a comunidade e com seu povo.
Na infância desejava ser motorista de ônibus. Achava importante conduzir um grande veículo, cheio de gente, decidir os trajetos e a velocidade. A minha mãe conduzia meus desejos e mostrava que havia outros caminhos que seriam importantes eu conhecer. Mostrou-me a medicina e ensinou-me a admiração pelos médicos, em especial a um grande clínico geral em minha cidade. Esse médico inspirou-me, um exemplo de dedicação. Mesmo idoso ainda era o mais procurado porque a todos trazia uma solução.
Assim foram me moldando: a família, a escola e o lado bom do mundo. Meus professores, mentes brilhantes, entusiastas e incentivadores que nos tiraram da cidade pequena e nos entregaram um mundo de possibilidades. Receber formação cristã, em casa e na escola, foi com certeza a raiz vital para uma medicina futura de serviço e respeito.
“Uma consulta deve demorar sessenta minutos: cinquenta minutos para escutar a alma e dez minutos para examinar o paciente.” Em minha prática, com três décadas de medicina, essa talvez tenha sido a frase que ainda faz nortear o rumo de muitos atendimentos e condutas. Os profissionais que lidam com pessoas devem se esforçar para enxergar além do óbvio, sendo preciso ter a visão do “super-homem” dos filmes, que enxerga através das paredes e das pedras. É preciso extrair das palavras e dos gestos algo que não é dito. “O médico precisa tirar água de pedra”, há 35 anos dizia meu professor de pediatria e eu ainda não esqueci suas palavras de sabedoria.
Mesmo depois de muito tempo na profissão, ainda estamos aprendendo. A velocidade do conhecimento científico é maior do que a nossa capacidade de aprendizado, então estudar muito e fazer congressos é a condição mínima para se estar mais próximo da atualização e do nível de exigência que os dias de hoje exige e que seu paciente merece.
Aos olhos alheios parece que a vocação é inata, que brota por si mesma e se torna grande simplesmente porque foi um dom. Se foram dez denários que recebi eles precisam se transformar em cem denários: esforço contínuo. Lembremos do jogador Zico que diziam ter muita sorte porque fazia belos gols, cobrava faltas com muita maestria e dificilmente perdia um pênalti; a sorte dele era o treinamento que continuava no fim do dia quando todos já tinham ido embora.
Ser vocacionado para a medicina significa ser vocacionado ao estudo e uma dose de espiritualidade ajuda a “fazer milagres”. É necessário manter os sentidos aguçados e o nosso “radar” sempre ligado. O outro merece todo o seu esforço e é essa a promessa feita no juramento médico.
18 de Outubro – Dia do médico
Dr. Reginaldo Cardoso
Geriatra
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