Queres então saber de mim por qual motivo e em que medida devemos amar a Deus? Bem, digo que o motivo de nosso amor por Deus é o próprio Deus, e que a medida desse amor é amar sem medida. Está suficientemente claro? Sim, talvez, para um homem inteligente, mas devo falar para sábios e ignorantes, e se já disse de modo claro para os primeiros, devo também considerar os segundos. É então para eles que vou desenvolver minhas ideias, e procurar aprofundá-las. Digo que temos duas razões para Deus ser amado por si mesmo: não há nada de mais justo e nada de mais vantajoso. Com efeito, esta pergunta “por que devemos amar a Deus?” apresenta-se sob dois aspectos: por que Deus merece nosso amor, e que vantagem temos em ama-lo. Vejo uma resposta para ambas: a razão pela qual devemos amar a Deus é ele mesmo. Do ponto de vista do merecimento, o grandioso Deus se deu a nós, a despeito de nossa indignidade. Com efeito, o que poderia nos dar que valesse mais do que ele mesmo? Quando perguntamos quais razões temos para amar a Deus, e como adquiriu o direito ao nosso amor, constatamos que a principal é que ele nos amou primeiro. Merece, então, nossa retribuição, sobretudo se consideramos quem é aquele que ama, quem são os amados e como os ama. Quem é, com efeito, aquele que nos ama? É aquele a quem todo espírito presta este testemunho: “És meu Deus, e não precisas do que tenho” (Sl 15,2). E esse amor em Deus não é a verdadeira caridade, visto que não ocorre por interesse? Mas a quem se dirige esse amor gratuito? O Apóstolo responde: “Quando éramos inimigos de Deus é que nos reconciliamos com ele” (Rm 5,10). Deus nos amou com um amor gratuito, mesmo sendo seus inimigos. Mas como nos amou? São João responde: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único” (Jo 3,16). São Paulo continua: “Ele não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós” (Rm 8,32). E este Filho, falando de si, disse: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Assim o Deus santo, soberano e poderoso tem direito ao amor dos homens pecadores, infinitamente pequenos e fracos. Mas se é assim para o homem, não o é para os anjos; concordo, mas não é preciso que seja. Aquele que resgatou os homens da miséria preservou os anjos de uma miséria semelhante, e se seu amor pelos homens lhes deu os meios de se libertarem o mesmo amor impediu os anjos de se tornarem como nós.
Fonte: Bernardo, de Claraval, Santo, 1091-1153. Tratado sobre o amor de Deus/ de Claraval, São Bernardo; [tradução Nei Ricardo de Souza]. – São Paulo: Paulus, 2015. Coleção Leitura espiritual.
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