“O sucesso é para poucos... Você é responsável por suas escolhas! A força do hábito! Não faça o possível, faça o teu melhor!” É bem provável que você já ouviu expressões deste tipo. Principalmente se você está inserido no mercado de trabalho. Toda via, essa busca por “sucesso” tem um viés financeiro e está vinculado aos negócios que resultam em um poder de aquisição, bens materiais. Nada contra isso, o problema é que quase sempre gera um discurso fragmentado. E porquê? (para utilizar a expressão em voga) Porque a sociedade anda procrastinando a busca de uma vida interior. Questões como: O sentido existencial? O encontro com a minha essência? O processo de descobrir a vocação? Quase sempre são consideradas como irrelevantes nos dias de hoje.
Eu não quero aqui fazer uma crítica aos discursos das técnicas de “auto ajuda”. Existe um conhecimento importante e relevante nisto tudo. Eu quero mostrar apenas que o “poço” é um pouco mais profundo. Quero partilhar à luz da teologia que o anseio do ser humano na busca por “sucesso”, na busca da verdade, só pode ser saciado no encontro com Deus. Com efeito, o objetivo é promover em sua reflexão a inserção da espiritualidade, tema esse que é tão constituinte do ser humano.
Nos primeiros séculos do Cristianismo surgiu a heresia pelagiana. Que tinha uma visão otimista do ser humano, onde esse poderia alcançar a salvação por força própria. Sem ter a necessidade da ação da graça. Essa heresia está sendo retomada no contexto pós moderno. E é ensinada aos nossos filhos. E o pior, ensinada por nós mesmos. Essa questão é ainda mais antiga: trata-se da soberba do anjo de luz que quer tornar-se semelhante a Deus por méritos próprios.
A graça em geral pode ser descrita como o sobrenatural, tudo que supera a natureza, as capacidades, o merecimento, a exigência. É algo que se realiza no finito, porém é algo divino. Para nós cristãos é a ação de Deus. Há duas formas de sobrenatural por essência: a Encarnação e a graça santificante.
A Encarnação do Verbo, Jesus sendo Deus e homem tem a natureza humana e divina, a união pessoal ou hipostática, o mais alto grau de sobrenatural. A graça santificante é a ação divina no homem, o capacitando. Tornando o ser humano semelhante a Deus, capacidade essa impossível de ser alcançada por méritos de qualquer das criaturas. Na criação do homem, o Adão, esse recebe de Deus três grandes privilégios, que lhe conferem uma perfeição, à qual não tenha direito por natureza; a ciência infusa, o domínio das paixões ou isenção da concupiscência, a imortalidade do corpo. Porém, o mito da criação descrito no livro de Gênesis, revela que o homem desobedece a Deus e assim peca, comendo o fruto do conhecimento do bem e do mal. “No dia em que comerdes da árvore, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus." (Gn 3, 5).
Com efeito, o ser humano percebe-se nú diante da presença de Deus e esconde-se de Deus. Não obstante, é assim que a descendência de Adão e Eva (ser humano) é privada da graça santificante. Em detrimento do pecado original que inicia um estado de decadência, pois o ser humano tem o sobrenatural como parte constituinte do seu ser. Toda via está privado da ação da graça por conta do pecado original, sendo assim o ser humano afasta-se do reino dos céus.
Com tudo, com Cristo e por Cristo podemos alcançar todas as graças de que precisamos para nós e para nossos irmãos. Na narrativa do Evangelho segundo Lucas podemos perceber o coração de Amor de Deus. Na parábola do “filho pródigo” Jesus revela o Amor de Deus. O filho que pede a herança e vai para longe do pai, gasta toda a herança. Faz um profundo exame de consciência. Ou seja, entra no processo de interiorização, conversão. Percebe-se vivendo em meio aos porcos, comendo a comida dos porcos. O porco é símbolo da impureza para a cultura judaica. Sinal que (o homem) o filho esta no mais profundo isolamento. Lembra da casa do pai do amor e da fartura. Então faz o processo do regresso, prepara um discurso, e neste, percebe que não é merecedor de ser chamado de filho. Então chega o momento do encontro com o Pai que é a imagem de Deus.
“ “Ele estava ainda ao longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. O filho, então, disse- lhe: 'Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho'. Mas o pai disse aos seus servos: 'Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.” (Lucas 15, 20-22).
O Adão que ao pecar se esconde de Deus ao percebe-se nú, a nudez representa a perda da graça. Agora na parábola do “filho pródigo” a graça é devolvida representada nas novas vestes. O ser humano reconhece que não é merecedor desta graça, pois gastou toda a herança. Encontra compaixão de Deus na figura do Pai que tem Amor que apaga todas as culpas e perdoa todas as faltas. E devolve a dignidade de filho. Efeitos esses da ação redentora de Cristo que sendo do mesmo gênero da culpa de Adão, Jesus expia o ser humano por obediência ao Amor até a morte de cruz. Com efeito, Jesus merece-nos todas as graças que havíamos perdido pelo pecado.
A graça, virtudes infusas e dons do Espírito Santo e ainda institui os sacramentos, sinais sensíveis que nos conferem a graça. É verdade que travamos uma luta constante, contra a concupiscência, porém, a exemplo de Jesus, que carregou a nossa cruz, sustenta-nos.
“Na realidade, não sou mais eu que pratico a ação, mas o pecado que habita em mim. Eu sei que o bem não mora em mim, isto é, na minha carne. Pois o querer o bem está ao meu alcance, não porém o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero. Ora, se eu faço o que não quero, já não sou eu que estou agindo, e sim o pecado que habita em mim. Verifico pois esta lei: quando eu quero fazer o bem, é o mal que se me apresenta. Eu me comprazo na lei de Deus segundo o homem interior; mas percebo outra lei em meus membros, que peleja contra a lei da minha razão e que me acorrenta à lei do pecado que existe em meus membros. Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de morte? Graças sejam dadas a Deus, por Jesus Cristo Senhor nosso. Assim, pois, sou eu mesmo que pela razão sirvo à lei de Deus e pela carne à lei do pecado.” (Romano 7, 17-25).
O sucesso definitivo não se alcança aqui, mas só ao entrar no céu, contudo, cabe a nós fazermos o processo de interiorização e voltar para os braços do Pai reconhecendo a necessidade da ação da graça de Deus em cada momento de nossa existência. Quanto maiores forem os esforços maior ainda é graça de Deus que nos santifica.
James Eduardo de Souza – Missionário Consagrado Arca da Aliança
REFERÊNCIAS
TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de teologia ascética e mística. 4. ed. Porto: Livraria apostolado da imprensa, 1948.
SCHNEIDER, Theodor. Manual de dogmática. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
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